quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Pow! Plaft! Flap!

Muito pior do que a odisséia de ter de sair da Vila Curuçá – “Vila o quê?” – onde moro, com quase 3 horas de antecedência para chegar a Barueri, onde trabalho, pegar carona com pai, tomar trem, fazer baldeação para ao metrô, estudar no fretado…, são os percalços na vida de quem escolhe ser um escritor em troca de reconhecimento. Ou, melhor dizendo, em troca do ganha-pão.

E quem vive disso? Este foi um dos temas propostos para discussão na 3º edição da FLAP, festa literária alternativa a de Paraty (FLIP). Tal tema me arrancou das cobertas do domingocioso, e me despertou a curiosidade de conferir quem eram esses idealistas, que foram capazes de negar o comodismo de um registro em carteira e seu pacote de benefícios para serem livres… livres para se confinar num quarto com suas personagens e dedurar o mundo pela brecha da persiana; esquecer no armário pente, gilete e família; olhar por alguns maços a parede até tragar a le mot juste (a palavra certa), de Flaubert…

Sim, é solitário, e até masoquista para alguns escritores, o processo de criação, e esse talvez seja só o segundo passo, se contarmos como primeiro o fato de abdicar o comodismo de um trabalho remunerado, como eu já disse acima, porque após algumas estações de confinamento no quarto, o escritor ainda terá de desempenhar um papel que não é o seu: o de vendedor… e de bom vendedor. Claro que não me refiro às celebridades literárias da FLIP com suas editoras cativas, mas aos escritores que compunham a mesa do debate da FLAP, como a poetisa Maria Luíza Mendes Fúria. Maria Luíza diz que “no Brasil, nós não temos um esquema, em que a editora permita que o escritor tenha um tempo para criação... que tenha um laço financeiro para sobreviver, ir ao supermercado, ao dentista, pagar o condomínio”.

Há dois mil anos, o poeta latino Ovídio dizia que as folhas de louro, com as quais se faziam coroas para poetas e heróis, só serviam mesmo para temperar o arroz. Mas e hoje, será que mudou alguma coisa? Como esperar que um autor sobreviva sendo ‘fiel’ à poesia, à literatura, enfim, sendo um “trabalhador da palavra”? Fúria acredita que “o escritor pode viver de literatura se ele for jornalista”, como ela, “ou se ele for professor”, como é o caso de outro membro da mesa, o escritor Marcelo Siqueira Ridenti, professor Titular de Ciência Política da UNICAMP. “Eu vivo das minhas aulas”, confirma Ridneti, para desgosto (de parte) da platéia que quer (ou queria) escrever livros (e ponto).

A escritora Andréa del Fuego também confirma essa condição de poligâmica, quando diz fazer “bicos”, que vão de roteiros para cinema a pesquisas para sites de motel. “E quem vive disso? Vivo apesar disso (…) meu segundo livro é uma tiragem esgotada, uma coisa ‘chiquérrima’, onde foram vendidos 107 exemplares. Ou seja, eu não vendo livros”, conta Andréa, para a romântica platéia de dentes amarelos.

Já o último integrante da mesa a se apresentar, o escritor Santiago Nazarian, ele diz não enxergar com “pessimismo o mercado para escritor”. Mas Santiago estava fora d’água… Corrigindo: os outros autores é que estavam, pois, se estivéssemos em uma sala de aula, e houvesse uma chamada oral com a pergunta tema do debate, Santiago seria o único aluno a levantar a mão e responder “eu”, tanto que abandonou seu emprego de redator publicitário. “Tinha medo de que a publicidade contaminasse minha literatura”, conta Nazarian.

Passado alguns dias do debate, e já tomado por um conformismo pós-FLAP na orelha do meu romantismo em ser um escritor – como os coleguinhas em serem astronautas, bombeiros, médicos, bandidos –, ocupava-me em casa reescrevendo projetos do trabalho. Na TV, o escritor (e biólogo) Mia Couto falava para o Roda Viva e para a parede verde da minha sala, até me beliscar: “ser escritor é como uma casa que visito de vez em quando”. Isso me fez repensar o tema do debate. Afinal, viver ou não viver disso? Ser escritor ou estar escritor? A conjugação pouco importa, se pensarmos que a obra de Kafka, por exemplo, deve muito aos seus cargos burocráticos, nos quais o camarada ainda era visto como funcionário exemplar.

Fiquei mais algum tempo ali, ouvindo Mia Couto, depois o desliguei. Ansioso, olhei para o projeto, pus três pontos e me tranquei no quarto para uma visitinha a tal casa do escritor.