No entanto, a diferença de (tosse)... a diferença de eu ver, sei lá... um réptil, que anda, fala e usa batom, ou de saber que minha namorada – hoje, esposa – carrega não uma, mas duas herdeiras de um papai que vivia de bicos, está na causa. Se nos dois episódios o tal pranto foi resultado do impedimento de voltar pra barriga da minha mãe, em outras circunstâncias das mais variadas, que vão desde o São Paulo campeão a funerais de avó e tios, não teve choro, no máximo vela. Não consegui deixar rolar uma única gota de lágrima.
(Pausa para água) Momentos após o nascimento das minhas filhas, na sala de espera da maternidade, alguns familiares ostentavam cada um o seu par de olhinhos úmidos ao passo que me parabenizavam. Não peço para que acredite, mas essas gratificações não passavam de um disfarce para a inconveniente pergunta que viria a seguir: “E aí, chorou?” Pensei ligeiramente em mentir, mas me lembrei de que mentira tem perna curta para pais que são filmados na sala de parto. Um mês depois, assistia ao filme do nascimento e aproveitava para tentar encontrar ali alguma passagem em que eu demonstrasse, pelo menos, alguma intenção de pôr pra fora toda a emoção sentida naquele dia. E encontrei. Orgulhoso, exibi o tal choro oculto a uma tia da minha esposa: “Tá vendo aí, ó? Nessa hora, eu tava chorando... por den-tro.” E: “Ah, mas assim não tem graça”, sentenciou a titia.
É (tosse), não chorar pode causar exclusão social. Sim... eu sei que se parece mais com um daqueles avisos pra fumantes, mas a advertência tem fundamento. (Pausa para água) Depois de semanas tentando me enturmar no novo colégio, enfim, uma das panelas resolvia falar sobre cinema. “Perfeito!” Era só eu fazer com que rissem, lembrando-os de filmes de chorar de rir, e, então, eu ganharia passe livre. É, ficaria à vontade, sabe... para lançar na rodinha qualquer tipo de bobagem, qualquer uma... Menos a de atestar minha insensibilidade, confessando a um monte de menininhas que eu não chorei em O Rei Leão. Mulheres! Tenho uma tia que chorou em Jamaica abaixo de zero.
Já a morte do piloto (e chorão) Ayrton Senna teve sua atenção dividida. Aquele primeiro de maio também me marcou com outra grande surpresa. (Tosse) Sim... já vai entender. Naquela noite, eu assistia com meus pais a uma dessas reportagens especiais de final de domingo, meladas de depoimentos saudosos, imagens em slow motion e trilhas melancólicas de fazer até “chefe de família” apelar para o lencinho. A fim de compartilhar um “humor negro” que me ocorreu, inclinei-me para eles. E foi então que vi algo ainda mais surpreendente do que uma batida na curva Tamburello, a trezentos quilômetros por hora: o meu pai com os olhos vermelhos. O mesmo que me... me reprimiu, de certa forma... por abrir a boca para a Cuca... estava choramingando... de cueca... no sofá. Minha mãe, embora estivesse de pijama, escancarava ainda mais a sua intimidade, chegando até a soluçar... E quanto a mim? (Pausa) Tarde demais. Tarde demais. Ironicamente, já estava arraigado em mim os “bons modos” de que mocinhos não choram.
Mas (tosse), felizmente, alguns anos depois, minha grande chance de provar que eu também tinha um coração chegaria pelas mãos de minha prima e seu noivo. O par trazia um convite para que minha esposa e eu fôssemos seus padrinhos de casamento. Finalmente, o meu choro tinha dia, hora e local. E se o fato de minha prima me escolher para ser seu padrinho, entre tantos outros primos, já rendesse àquele momento algumas lágrimas extras, imagine só ser escolhido também pelo noivo? Como por quê? Isso não só dobravam as expectativas em cima do presente, mas na quantidade de lágrimas com a qual eu teria de arcar.
Desafio aceito. Resolvi, então, investir na (minha) grande noite: fui às compras. Comprei sapato, terno, gravata e até uma camisa lilás, chegando a pensar que o tom faria de mim um homem mais sensível. Olhava-me pelo espelho do provador e já podia imaginar os comentários que cairiam sobre mim: “Menina, olha que chorão mais charmoso! (...) Ô, homem sensível! (...) Aquele ali, o da esquerda, menina... Ele, sim, gosta dos noivos, de verdade! (...)” Por outro lado... (tosse) eu pensava... (pausa para água) no constrangimento (tosse)... eu pensava no constrangimento pelo qual eu passaria caso destoasse do grupo de padrinhos, não manifestando os meus sentimentos. Gafe bem pior do que subir no altar de terno cáqui em meio a senhores de preto. Para padrinhos, chorar em casamento é regra de etiqueta!
Já nos bastidores da cerimônia, minutos antes de nossa entrada, surgiam as apostas em cima dos que primeiro entregariam os pontos lá em cima, no altar. Os padrinhos menos experientes, eles respiravam fundo enquanto aprendiam com os mais entendidos a estocarem o bolso do paletó com guardanapos para estancar a emoção e conservar os rímeis de seus pares. Eu, em compensação, não impediria que o alívio rolasse até dar gosto à boca... exibiria, com orgulho, minha façanha para o registro das câmeras, bem na hora dos cumprimentos. (Pausa para água)
Bem... com noivo e padrinhos a postos e, consequentemente, a poucos minutos dos cumprimentos, as cornetas já podiam entornar a tão esperada marcha. Mas a noiva preferiu explorar ainda mais o clima de “suspense”, e ser anunciada por Also Spracht Zarathustra – o belo poema sinfônico de Strauss que, para minha infelicidade, faz parte da trilha do filme 2001: uma odisséia no espaço. Algumas tias, primas e amigas da noiva já começavam a se borrar, e eu só conseguia me lembrar da cena de 2001 em que o esperto macaco descobre que osso serve mesmo é para dar na cabeça da macacada do outro bando – Macacos me mordam! Por que insistem nessa música para casamentos?!
E então? (Tosse) A doutora já deve saber que, como no sexo, a cobrança por um bom desempenho... essa ansiedade aliada à imagem de um símio com um osso nas mãos (risos) faz com que nós, homens, não correspondamos às expectativas. É. Não cheguei lá. Brochei! Admito. E não só uma. Duas (pigarro): com minha bela prima e, em seguida, com o noivo, um precoce que já se molhava antes mesmo de nos tocarmos. E assim, em coisa de segundos, quando olhei ao meu redor, estava em meio a uma suruba daquelas, como um mero observador. Um voyeur assistindo ao gozo alheio. Um frígido, que se chegou a se umedecer, foi graças ao discurso do juiz (pausa para água)... com múltiplos e prazerosos bocejos.